Entre as grandes figuras da Idade Média cristã, Santa Clara de Assis brilha como uma chama suave e firme. Discípula de São Francisco, sua vida não se explica apenas como reflexo do Poverello, mas como um testemunho próprio, luminoso, de que a graça pode transformar a fragilidade feminina em fortaleza espiritual. Clara não pregou nas praças nem percorreu os caminhos como Francisco, mas da clausura de São Damião, com a força discreta da oração e do sacrifício, moldou gerações de mulheres consagradas e deixou à Igreja um perfume de santidade que jamais se apagou.
Uma jovem nobre tocada pelo Evangelho
Nascida em 16 de julho de 1194, em Assis, Clara era filha de uma família nobre. Cresceu cercada de privilégios e instrução, mas desde cedo seu coração se inclinava para a oração e a caridade. Enquanto outras jovens sonhavam com alianças políticas e casamentos vantajosos, Clara secretamente nutria um desejo mais alto: entregar-se a Cristo.
O encontro com São Francisco foi o estopim dessa vocação. Ao ouvi-lo pregar, Clara percebeu que o Evangelho podia ser vivido em radicalidade: pobreza, simplicidade, confiança absoluta na providência. O coração que poderia se perder em luxos se incendiou por uma vida de renúncia e entrega.
A noite da fuga: da nobreza à pobreza de Cristo
Clara nascera destinada a um casamento vantajoso. Já havia pretendentes nobres dispostos a desposá-la, mas seu coração já estava prometido a Cristo.
O Domingo de Ramos de 1212 foi o marco decisivo. Naquela noite, Clara deixou em silêncio a casa paterna e fugiu em direção à Porciúncula, onde São Francisco a aguardava. Diante do altar simples, as joias deram lugar ao hábito pobre, e seus cabelos foram cortados como sinal de entrega. Ela, que poderia ter sido senhora de castelos, tornava-se noiva de Cristo.
Indignados, seus familiares tentaram arrastá-la de volta, mas, agarrada ao altar, Clara declarou sua decisão irrevogável: “Meu coração já pertence ao Senhor.Assim nascia a semente da Ordem das Clarissas, um jardim de almas que floresceria por séculos.
Guardiã da pobreza evangélica
Clara encontrou abrigo no Mosteiro de São Damião, onde fundou a comunidade das Damas Pobres, mais tarde chamadas Clarissas. Ali viveu mais de 40 anos em clausura, oração, penitência e serviço fraterno.
Seu carisma central era o amor radical à pobreza. Ela não aceitava que sua comunidade tivesse propriedades ou rendas, pois queria depender unicamente da providência divina. A luta por essa forma de vida foi longa: papas e prelados sugeriam abrandar a regra, mas Clara resistiu com firmeza, pedindo o “Privilégio da Pobreza”. Somente pouco antes de sua morte, em 1253, o Papa Inoelaborada por uma mulher na Igreja.
A mulher que venceu com a Eucaristia
Entre os milagres atribuídos a Santa Clara, o mais célebre aconteceu em 1240, quando sarracenos invadiram Assis. Doente e enfraquecida, Clara pediu o ostensório com o Santíssimo Sacramento. Ao elevar a hóstia consagrada, uma luz inexplicável brilhou, e os inimigos recuaram em pânico. Sem armas, apenas com a força da fé, ela protegeu suas irmãs e toda a cidade.
Outro milagre narrado pela tradição é o da multiplicação dos pães: em um dia de grande necessidade, Clara fez o sinal da cruz sobre alguns poucos pães, que se multiplicaram e alimentaram todas as irmãs do mosteiro.
E nos últimos anos de vida, quando a enfermidade a impedia de ir à missa, Deus lhe concedeu um dom extraordinário: ela pôde assistir à celebração projetada em visão na parede de sua cela. Por isso, séculos depois, Pio XII a proclamou Padroeira da Televisão.
Mística do Espelho
Nos escritos que deixou, sobretudo nas Cartas a Inês da Boêmia, Clara revela uma espiritualidade profunda e contemplativa. Ela convida a “fixar o olhar no Espelho da eternidade”, que é Cristo, para nele contemplar e se transformar. Para Clara, a vida de fé é como um reflexo: quem contempla o Cristo pobre e crucificado torna-se semelhante a Ele, recebendo também a Sua luz.
Seu lema poderia ser resumido na frase:
“Apegai-vos ao Cristo pobre e humilde e olhai continuamente para Ele, que é o espelho de todas as virtudes.”
Últimos dias e canonização
Santa Clara faleceu em 11 de agosto de 1253, rodeada por suas irmãs, depois de receber a confirmação papal de sua regra. Sua morte foi serena, como quem entrega o espírito ao Esposo amado. Dois anos depois, em 1255, o Papa Alexandre IV a canonizou, reconhecendo sua santidade e o impacto de sua vida na Igreja.
O que é a Regra de Santa Clara?
A Regra de Santa Clara é o conjunto de orientações que a própria Santa Clara de Assis escreveu para guiar a vida de suas irmãs, as Clarissas. Foi aprovada pelo Papa Inocêncio IV em 1253, pouco antes da morte da santa, tornando-se a primeira regra feminina da Igreja.Seu coração é a pobreza absoluta, vivida em fraternidade, oração e simplicidade. Clara não queria que suas irmãs possuíssem nada, mas que confiassem inteiramente na Providência de Deus.
Além da pobreza, a regra destaca vida fraterna (todas iguais, unidas no amor), oração constante (silêncio, liturgia e contemplação), trabalho humilde (sustento com as próprias mãos), castidade e obediência (entrega total a Cristo),e espírito de humildade (viver como “menores”, a serviço de todos).
Em resumo: a Regra de Santa Clara é um caminho de liberdade e amor radical a Cristo, mostrando que a verdadeira riqueza está em nada possuir, para que Deus seja o único tesouro.
Padroeira da confiança
A devoção a Santa Clara se espalhou rapidamente. Ela é celebrada em 11 de agosto e considerada padroeira da televisão, pois no fim da vida viu, de seu leito, a missa projetada milagrosamente na parede de seu quarto. É também invocada como protetora dos lares e das bordadeiras.
Um legado de luz
A história de Santa Clara não é apenas a de uma freira medieval. É o testemunho de que a força do Evangelho não depende de grandes feitos externos, mas da fidelidade cotidiana. Sua vida escondida, feita de oração, jejum e silêncio, transformou-se em chama que aquece séculos.
Ela mostra que o amor pode florescer na pobreza, que a humildade pode ser fortaleza, que o silêncio pode ser mais eloquente que muitos discursos. Em seu exemplo, descobrimos que a verdadeira liberdade não está em possuir, mas em pertencer totalmente a Cristo.
Relíquias e devoção
O corpo de Santa Clara repousa hoje na Basílica de Santa Clara, em Assis, diante da pequena igreja de São Damião, onde viveu. Seu rosto sereno, guardado na memória da Igreja, é lembrado como “espelho da claridade divina”.
Que a vida de Santa Clara nos ensine que a verdadeira grandeza não está no poder ou nas posses, mas na entrega total a Cristo, na confiança, na Providência e na pureza do coração. Que seu exemplo de humildade, oração e amor aos pobres continue a iluminar nossos dias, guiando-nos a viver com fé, coragem e ternura, como ela viveu, deixando-nos o legado eterno de ser luz no mundo.
Oração a Santa Clara
“Senhor nosso Deus,
que chamaste Santa Clara
a seguir o Cristo pobre e humilde,
concedei-nos, por sua intercessão,
imitar o seu exemplo
e viver com alegria a pobreza evangélica.
Por nosso Senhor Jesus Cristo,vosso filho,
na unidade do Espiríto Santo.
Amém.”
